quinta-feira, junho 15, 2006

Volver


Volver, voltar sempre ao que está na base da nossa sobrevivência, o que condiciona e dita os nossos actos, as nossas obsessões, os nossos fantasmas - o nosso cinema. Quem ainda vive e quem já morreu, unidos pela memória e pela imagem, sempre no luto, na homenagem, no passado que percorremos, no presente onde lutamos. Almodóvar, como os grandes cineastas, faz um clássico sobre suspensão, elipse, adiamento, do que está sempre presente e percorre cada fotograma. As suas citações confundem-se entre cinema e vida, o que viveu e o que sonhou viver já não se distingue, está tudo na mesma linha, junta-se tudo na mesma imagem, numa sensibilidade que alterna constantemente entre a comédia e o melodrama, o cinema e a pintura, a câmara e um pincel. São fantasmas que nunca o foram, que são cinema e vida, corpo e espírito, sempre por um momento em que se chega ao confronto de tudo o que não foi encarado e se abre definitivamente, para resolver os nossos complexos e limpar os nossos traumas. O cinema apresentado como sempre é para nós no dia-a-dia, transposto magicamente na ilusão das imagens. Com cineastas como Almodóvar, o cinema nunca morrerá. Um cinema da nossa vida, mas também de cinefilia (Penelope/Magnani, Almodóvar/Visconti), de uma cultura (Espanha/Itália), de um modo de vida (do culto da morte, presente como a vida). Um cinema de rostos profundíssimos, de antecipação (da doença antes da doença - Agustina), de cores e cenários, de uma sensibilidade clássica. E Almodóvar é o mais sensível de todos os cineastas. Almodóvar é cinema.

quarta-feira, junho 07, 2006

A Elipse, o Toque


O toque é de Lubitsch, as elipses as de Angel, de 1937. Dois anos antes da guerra estalar, num filme já com contornos políticos, mas derrotados em todos os aspectos pelo cinema, pelo que se esconde em cada um de nós, pelo que nunca nos abandonará, pelo que carregaremos para sempre, pelo que nos define em qualquer e último caso. Mas com uma elipse Marlene Dietrich vence no filme sobre o seu filme, e nos satisfaz com tudo o que vamos adivinhando na subtileza genial de Lubitsch, no que não é preciso dizer para se mostrar, no que não é preciso relatar para se saber. Fica-se pelo cinema como mistério que é, com o que nunca poderemos ver senão por imagens e mais imagens fabricadas nas nossas projecções, por sugestões de passado, presente, e futuro. Um estado de cinema permanente e eterno, alimentado por nós, vivido pelo espectador, por outros rostos, outras salas, outros nomes (qual deles é Maria, qual deles é Anjo, o que será um anjo?). Quem queremos ser e como vemos os outros, como sempre queremos, será sempre a nossa condição, numa ficção sempre imaginária, mas intensamente verdadeira. É por aí que vivemos. E no fim, as decisões que se tornam as mais importantes, são aquelas que passam como passa Marlene pelo plano final, vinda não se sabe ao certo de onde, mas sabendo quem será sempre, e como foi até aí. Não é preciso mostrar mais, nem sequer dizer mais. Uma porta se fecha, outra se abre. E nós como espectadores saímos da mesma forma, sabendo que em momentos somos uns, noutros somos outros, mas o que fica e ficará sempre é esse cinema.