tag:blogger.com,1999:blog-137223342024-03-23T18:36:41.678+00:00La Saraghina"que je dégradasse les murs de la classe..."Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.comBlogger30125tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1160147423013523542006-10-06T16:10:00.000+01:002006-10-06T16:12:02.003+01:00<object height="350" width="425"><param name="movie" value="http://youtube.com/v/5KebM6S4Kpg"><embed src="http://youtube.com/v/5KebM6S4Kpg" type="application/x-shockwave-flash" height="350" width="425"></object><br /><br /><div style="text-align: justify;">Este blog nunca se publicitou, nunca se preocupou em manter passos, apenas queria viver com o pequeno propósito de acompanhar o dia-a-dia de uma ou certas pessoas. Nunca se assumiu como um blog é agora cientificamente definido, não se rodeou de pares ou blogs parceiros, não se interessava por muitas outras visitas. Agora que esse propósito se fechou, também fecha este blog, mais partilha do imaginário de um cinéfilo, vivendo num cinema que continua e continua. Esse não morre - estará sempre vivo, por vezes mais expansivo, por outras mais interiorizado. A entrada de textos na Saraghina fecha na sua vertente mais constante e regular, e passa a arquivo de textos, ou a acolher um futuro objecto, quem sabe, por outra razão. Resta escrever apenas uma coisa: tudo o que se escreveu aqui, tudo o que se fez sentir, tudo o que faz lembrar ou a quem se queria chegar, e onde encontrarei sempre, está nesta cena, cinema e vida agora eternos. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com40tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1151975086059328982006-07-04T01:52:00.000+01:002006-07-04T02:04:46.070+01:00O Mundo de Malick<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/newworld.jpg" /><div style="text-align: justify;">Bonito, bonito, bonito. Terrence Malick, o poeta visual, do belo, da essência deste, do cinema como câmara natural da poética, do Homem, e da sua alma, nos seus princípios como Natureza, da sua renovação como existência. Antes disto, nada existia, ou melhor, antes disto, nunca nos tinhamos encontrado. O que somos, uma pergunta central no cinema de Malick, numa imagética proustiana, num encanto whitmaniano. Somos tudo, eu, nós, luz e imagem, até às nossas origens, percorrendo um passado, vislumbrando um futuro que é presente. Nascemos para descobrir(mo-nos) e (a)os outros, aceitar o amor quando nos aparece, aceitar a vida como crescemos nela, encarar a voz que nos acompanha e ouvi-la no conselho e na luz que nos traz. Um Novo Mundo, catarse, renascimento, humanismo ou criação, no melhor da vontade, na mais preenchida das sensações, na mais pura das verdades. Terra, vento, água e carne, um cinema puro, humano, e belo.<br /></div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1150331608608003972006-06-15T01:13:00.000+01:002006-06-15T01:35:35.960+01:00Volver<div style="text-align: justify;"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/19217_cinema_01.jpg" border="0" /><br /><span style="font-weight: bold;">Volver, </span>voltar sempre ao que está na base da nossa sobrevivência, o que condiciona e dita os nossos actos, as nossas obsessões, os nossos fantasmas - o nosso cinema. Quem ainda vive e quem já morreu, unidos pela memória e pela imagem, sempre no luto, na homenagem, no passado que percorremos, no presente onde lutamos. Almodóvar, como os grandes cineastas, faz um clássico sobre suspensão, elipse, adiamento, do que está sempre presente e percorre cada fotograma. As suas citações confundem-se entre cinema e vida, o que viveu e o que sonhou viver já não se distingue, está tudo na mesma linha, junta-se tudo na mesma imagem, numa sensibilidade que alterna constantemente entre a comédia e o melodrama, o cinema e a pintura, a câmara e um pincel. São fantasmas que nunca o foram, que são cinema e vida, corpo e espírito, sempre por um momento em que se chega ao confronto de tudo o que não foi encarado e se abre definitivamente, para resolver os nossos complexos e limpar os nossos traumas. O cinema apresentado como sempre é para nós no dia-a-dia, transposto magicamente na ilusão das imagens. Com cineastas como Almodóvar, o cinema nunca morrerá. Um cinema da nossa vida, mas também de cinefilia (Penelope/Magnani, Almodóvar/Visconti), de uma cultura (Espanha/Itália), de um modo de vida (do culto da morte, presente como a vida). Um cinema de rostos profundíssimos, de antecipação (da doença antes da doença - Agustina), de cores e cenários, de uma sensibilidade clássica. E Almodóvar é o mais sensível de todos os cineastas. Almodóvar é cinema.<br /></div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1149638675644699042006-06-07T00:49:00.000+01:002006-06-07T01:05:01.486+01:00A Elipse, o Toque<div style="text-align: justify;"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/marlene10.jpg" border="0" /><br />O toque é de Lubitsch, as elipses as de <span style="font-weight: bold;">Angel</span>, de 1937. Dois anos antes da guerra estalar, num filme já com contornos políticos, mas derrotados em todos os aspectos pelo cinema, pelo que se esconde em cada um de nós, pelo que nunca nos abandonará, pelo que carregaremos para sempre, pelo que nos define em qualquer e último caso. Mas com uma elipse Marlene Dietrich vence no filme sobre <span style="font-style: italic;">o seu filme</span>, e nos satisfaz com tudo o que vamos adivinhando na subtileza genial de Lubitsch, no que não é preciso dizer para se mostrar, no que não é preciso relatar para se saber. Fica-se pelo cinema como mistério que é, com o que nunca poderemos ver senão por imagens e mais imagens fabricadas nas nossas projecções, por sugestões de passado, presente, e futuro. Um estado de cinema permanente e eterno, alimentado por nós, vivido pelo espectador, por outros rostos, outras salas, outros nomes (qual deles é Maria, qual deles é Anjo, o que será um anjo?). Quem queremos ser e como vemos os outros, como sempre queremos, será sempre a nossa condição, numa ficção sempre imaginária, mas intensamente verdadeira. É por aí que vivemos. E no fim, as decisões que se tornam as mais importantes, são aquelas que passam como passa Marlene pelo plano final, vinda não se sabe <span style="font-style: italic;">ao certo</span> de onde, mas sabendo quem será sempre, e como foi até aí. Não é preciso mostrar mais, nem sequer dizer mais. Uma porta se fecha, outra se abre. E nós como espectadores saímos da mesma forma, sabendo que em momentos somos uns, noutros somos outros, mas o que fica e ficará sempre é esse cinema.<br /></div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1148591083163273262006-05-25T21:54:00.000+01:002006-05-25T22:40:47.106+01:00Marie Antoinette<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/photo_06_hires.jpg" border="0" /><div align="justify"><strong>Maria Antonieta</strong>, o último filme de Sofia Coppola, teve a sua estreia mundial esta semana no Festival de Cannes, estando incluído na competição para a Palma de Ouro. Ao que parece, a sua recepção não foi das melhores. Após o final da projecção, houve apupos e assobios no lugar dos aplausos esperados pela crítica francesa, que tinha decidido colocar a já chamada “rainha” do festival nas capas de todas as publicações do país.</div><div align="justify">Na verdade, tal reacção não espanta. A princesa austríaca e rainha de França, como se sabe, não tem das melhores reputações no país que a acolheu – é ainda acusada por muitos como a principal responsável pela decadência financeira e até política em que o país caiu antes da Revolução de 1789, e descrita como uma estrangeira que chegou ao Palácio de Versalhes para corromper definitivamente uma corte e os seus costumes com sucessivas festas, más companhias, e desleixo moral. O seu fim foi a decapitação, julgamento implacável do povo soberano.</div><div align="justify">O que Sofia Coppola fez com o seu extraordinário filme, e seguindo a visão nacional francesa, foi exactamente o mesmo. Chegou a França com os seus amigos americanos e instalou-se no Palácio de Versalhes para enchê-lo com visões de riqueza decadente, roupas, bolos, festas, um futuro rei que apesar de sexualmente inapto e politicamente frágil, amava a sua mulher e o seu país, e uma jovem Maria Antonieta amante da natureza, delicada com a sua entourage, e mãe atenta dos seus filhos. O seu instinto maternal, aliás, esbarra no protocolo real, ao afirmar perante a câmara que ama a sua filha da mesma maneira que um rapaz herdeiro do trono, e que deseja amamentar este mesmo do seu peito, e não entregá-lo a uma ama oficial. Vemos uma rainha que chora na sua solidão, que prefere companhias divertidas ao dia a dia cerimonial e repetitivo do palácio, que ama a sua família e a enche de ternura, que partilha leituras de Rosseau com as suas amigas e que se entusiasma com a magia da ópera, não se coibindo de aplaudir os seus músicos e as suas personagens como qualquer espectadora vulgar.</div><div align="justify">Sofia Coppola consegue tornar um filme centrado numa das personagens mais marcantes da História de França e no seu momento mais importante numa obra visual recheada de beleza e encanto, passando praticamente ao lado da questão política, e desconstruíndo toda a ideia tradicional do chamado “filme histórico”. Os grandes bailes são feitos ao som de New Order, os encontros com amantes são momentos delicados e românticos com música de Adam and the Ants (temos quase pena da rainha ao ver a sua paixão partir), encontramos pares de Converse no meio das dezenas de pares presentes no seu quarto, e temos a realizadora a atirar sucessivamente planos de arranjos de comida, copos e flores aos olhos do espectador a ritmo de videoclip. A própria cena de introdução do filme, memorável ao jeito da de <strong>Lost In Translation</strong>, é feita com uma Kirsten Dunst semi-nua de penas na cabeça a passar os seus dedos por um bolo majestuoso, ouvindo-se as guitarras cortantes dos Gang Of Four. Aqui, não há Visconti para ninguém.</div><div align="justify">Sofia Coppola não só desfaz o mito de Maria Antonieta inimiga do povo e destruidora de Estados, como o mito do filme histórico. Pegou na História de França e fez dela sua. E o resultado é simplesmente maravilhoso. Que o povo de Cannes tenha cortado a sua cabeça não é mais do que o normal. Afinal, a História repete-se - la reine est morte, vive la reine. Viva Maria Antonieta.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1146415200622955952006-04-30T17:39:00.000+01:002006-04-30T17:44:26.486+01:00Le Mépris<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/mepris_02.jpg" border="0" /> <div align="justify"><em>I like gods. I like them very much. I know exactly how they feel - exactly.</em></div><div align="justify"></div><div align="justify">Neste fabuloso filme de Godard, (mais) uma reflexão sobre o cinema, entramos no scope e nas cores quentes de verão e de Roma pela própria câmara que nos filma, sentados na sala de cinema. Nunca um filme tinha começado assim.</div><div align="justify">Um filme sobre cinema, para além de toda a sua História e das suas referências, espalhadas pelas panorâmicas ou por frases e citações, é sobretudo um filme sobre sentimentos. Os nossos, os do cinema, os que ele nos faz sentir - amor, ternura, angústia ou desprezo. O desprezo natural e quase vegetal de Camille pelo seu marido (que se vende à vida como conforto financeiro), que vive como imagem, desmontada pelos planos do seu "traseiro", das suas "coxas", das suas "pernas", dos seus "seios", e que respira numa tranquilidade de deusa, dona de gestos e olhares, mas que vive insegura na sua vontade e no seu caminho. Brigitte Bardot, <em>BB</em>, como as estátuas gregas divinas pela imagem, cor e som, que relembram as suas histórias, e as tornam de novo possíveis na longuíssima profundidade de campo de todo um mar, no silêncio perfeito que esse exige.</div><div align="justify"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/mepris_03.jpg" /> </div><div align="justify">De novo, a vida e o cinema, que morre e que continua, ambos tragédia, ambos inevitáveis. Godard e os seus instrumentos, remete para nós, filmados sobre a sua perspectiva, a sobrevivência desse imaginário, sempre questionado e enriquecido, pela agitação de cortes sucessivos, ou pela naturalidade de uma sequência que brinca com o real.</div><div align="justify">BB é BB (e também Anna Karina), Lang é Lang e cinema, a Cinnecittà palco de sonhos, mas abandonado. <em>Il faut revenir au cinéma de Griffith et de Chaplin</em>, diz Paul, antes de se render à máxima da sala de projecção, onde morrem películas, deitadas ao chão pelo produtor - <em>"il cinema è un'arte senza futuro"</em>.</div><div align="justify"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/050421_le_mepris_02.jpg" /></div><div align="justify">Mas o que sobrevive continua a ser o que fica por mostrar, depois do silêncio, depois da morte, depois do desprezo, o que fica por filmar, onde o espectador ficará por entrar (se é que não se entrou já, irremediavelmente para sempre). No mundo que, como Godard repete pela frase de Bazin, satisfaz todos os nossos desejos. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1145899388665696812006-04-24T17:18:00.000+01:002006-04-25T15:45:23.746+01:00Le(s) Fantôme(s)<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/langlois.jpg" border="0" /><div align="justify">Ao entrar pela colecção permanente da Cinemateca Francesa, regressamos ao nosso estado mítico, à aparência dos nossos fantasmas, de outros disfarces, lembramo-nos de novo que tudo o que somos, tudo por onde passamos e em tudo o que a sua realidade e memória se assentam resume-se a uma simples palavra - cinema.</div><div align="justify">Desde as lanternas mágicas, pequenos rodopios de imagens fantasiadas, cartas que correm perante os nossos olhos e seguras por uma manivela, fatos e máscaras para mostrar quem queremos ser, ou ilusões bem antigas e imaginativas de diletantes e outros fantasistas, vemos que o cinema sempre existiu nas nossas mentes, sempre nos definiu e sempre nos acompanhou, na nossa condição perdida, na nossa ambição imortal. Os deslocados da vida não estavam perdidos - queriam-se perder.</div><div align="justify">Os cinéfilos, dizia Truffaut, são <em>"pessoas doentes"</em> <em>-</em> todos os que gastaram tudo o que tinham para invenções de outro mundo, para construções nunca antes vistas, que deram todo o tempo ao <em>seu verdadeiro tempo. </em>Foram os que se recusaram a tomar a vida como adquirida, e preferiram ir ao fundo das imagens que os rodeavam, que os formavam, nunca as recusando, mas sim pegando nelas, com todas as suas consequências, e recriar outras, tal como mágicos que sabiam o que poderiam ser, para finalmente poderem ver <em>tudo.</em></div><div align="justify">Homens como Méliès e as suas viagens inacreditáveis para lá do mundo, para furar a vista da Lua que dormia sobre a Terra, as suas construções imensas para albergar todo um sonho (o seu estúdio enorme e <em>transparente</em>), uns irmãos chamados <em>Lumière</em> que espalhavam pânico pelas suas salas com comboios que vinham para atropelar espectadores, e o primeiro cinéfilo, que mais do que salvar o cinema como ele existia, queria salvar a sua vida e as de muitos outros - Henri Langlois.</div><div align="justify">Milhares de películas foram ou salvas ou reencontradas por esse jovem rapaz, que comprou e subornou toda a gente para evitar que obras-primas do cinema se tornassem em fumo. Quando chegou às milhares de cópias, ou mesmo antes, criou a instituição que não era instituição - a Cinemateca Francesa. Aqui, os doentes rencontravam-se uns aos outros, noutros actores, noutras histórias, sempre sobre a ilusão e a projecção de uma máquina que desfilava as suas paixões, as suas aventuras, os seus segredos, os seus traumas. Por uma vez, o cinema era toda a gente, tal como deveria sempre ter sido.</div><div align="justify">Outros cinéfilos cresceram sob estas imagens, levaram tudo o que eram para os ecrãs e passaram de cineastas mentais para estatutos de admiração e criadores. Também eles nos ensinaram o que era o cinema e, afinal, o que era a vida, ou o que poderia ser a vida, tal como que sempre desconfiavamos.</div><div align="justify">E quando Malraux tentou negar a Langlois o direito natural de passar todos os filmes de todo o mundo (escreve um cinéfilo), estava a querer matar todos esses doentes, todos esses apaixonados - assim se vêem, de forma impressionante, os telegramas expostos de tantos nomes a proibírem exibições naquela sala das suas obras (Welles, Chaplin, Buñuel, Minelli, Kubrick, Truffaut, Godard, entre muitos outros). Mas o cinema venceu.</div><div align="justify">O que devemos a Langlois não é o facto de o cinema existir - esse está presente e bem vivo em cada um de nós. Devemos o facto de o cinema ser <em>visto</em>, de saber que, afinal, não somos apenas o que guardamos, mas podemos ser tudo o que desejamos. Por uma série de imagens, um movimento, ou um plano da vida. Fantasmas como nos vemos, cinema como sonhamos. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1139278793200759822006-02-07T01:54:00.000+00:002006-02-07T02:25:25.310+00:00O Céu em Berlim<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/der_himmel_uber_berlin.jpg" border="0" /> <div align="justify">Numa cidade dividida, centro de uma História que não se esquece, como se vive, e como se vive com o seu cinema? O retrato de <strong>Asas do Desejo</strong>, de Wim Wenders, é o único possível - na rejeição do que é físico, da violência dos corpos, do confronto que existe entre cada transeunte que passa na rua, procura-se a verdade de cada um, sempre escondida, através de seres puros, que planam em espírito e que têm ouvidos para todos, anjos doces e serenos, trocando histórias também eles, de contos pequenos e anedotas, notas engraçadas de ocorrências da vida. </div><div align="justify">Num país traumatizado, numa cidade de habitantes perdidos, cada um no recanto do seu pensamento, colocam-se todas as questões depois da catástrofe - por que estamos aqui, o que andamos a fazer, e como lidamos com isso? Antes ainda de saber viver o presente, como lidar com o passado, o cinema que não se pode abandonar? São histórias eternas, poemas e angústias que sobrevoam o filme, ultrapassam-se como diálogos com o espectador e a sua condição mais íntima, o peso que esta comporta, e que anjos desejam também viver.</div><div align="justify">A única visão apresentável é a que se vê - do céu, do mais puro e espiritual, uma nova ordem de vivência, que marca a tal <u>distância</u>, que nos consegue afinal todos unir num tempo sem tempo, numa paz sem conflito, sem guerra, lidando suavemente com o que passou e com o que ainda não caíu ("<em>schön</em>", belo, assim se mostra o Muro que quebra a cidade).</div><div align="justify">Assim, como regressar por fim à vida, saber que estamos sozinhos, mas lidar com a nossa condição, saber gerir o que era vazio e agora vida, o que era triste e agora bonito, tanto para cada um, como para um país inteiro? Dois seres separados, agora unidos, ambos solitários, por fim crescendo e unidos, num abraço de conforto, num beijo de paixão - como um "ex-anjo", e uma (sempre) bailarina ou trapezista, que nunca cai, e quer voar para mais, sempre mais alto, sempre em paz. Como o final deste filme, e de tantos outros, também citados pelo seu autor (<em>Yasujiro, François, Andrej... </em>cineastas da vida) - pelo <u>amor</u>. Assim seremos sempre quem somos, na resolução do que mais vivo existe em nós, através do cinema, dos nossos mistérios, para o mais concreto, as nossas necessidades, o que nos faz viver ainda no dia-a-dia.</div><div align="justify">Tudo isto e muito mais é o céu em Berlim. Outros anjos ficaram e não caíram, mas um dia hão de descer, puxando-nos para a vida e mexendo com o nosso cinema. Do céu, para a terra, com paz e amor.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1138893833604319482006-02-02T15:18:00.000+00:002006-02-02T15:27:15.926+00:00L'Imagination au pouvoir<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/quatrocento.jpg" /><br /><br />Paris é cinema.<br /><br /><div align="justify">São planos infinitos que se vêem pela cidade fora, em cada recanto, em cada promenor, ou em cada panorâmica. Portas, prédios, lojas, ruas, árvores, boulevards, jardins, tudo o que é paisagem, todos os bairros, o rio, as roupas e os casacos, o amor, os <em>bonjours</em> e <em>bonne soirées</em>.<br />Naturalmente, um artista como Truffaut, cineasta da vida, apenas poderia ter crescido nesta cidade – dias inteiros passados em cineclubes e salas de cinema, cafés recheados de posters de filmes e de estrelas míticas (que nunca morrem), entradas ainda com as fotografias velhinhas de exibição, fichas e pequenos textos com as informações básicas para qualquer cinéfilo, e tudo o que de resto se pode imaginar.</div><div align="justify"></div><div align="justify">E aí entramos nos filmes. Em Paris, cada bairro tem as suas autênticas cinematecas, salas exclusivamente dedicadas a reposições de filmes de outros tempos, de outros mundos, para onde nos podemos transportar e esconder. Não admira que Truffaut tomasse esse rumo. São homenagens constantes, ciclos eternos dedicados ao que se pensava que já não se poderia ver, tanto em horários para quem vive de dia, como para quem vive de noite. Tudo isto para se viver no cinema.</div><div align="justify"></div><div align="justify">O cinema aqui não se esquece. Vive, e vive-se, com antecipação, a expectativa cinéfila, a discussão antes e depois do filme, também encaminhada para cafés, esses outros cenários, <em>dans les rues de Paris</em>. Naturalmente, daqui teria que germinar qualquer coisa, explosões de imaginação para agitar a vida previsível, noutros anos, noutro mês de Maio.</div><div align="justify"></div><div align="justify">E ao sair das salas, temos a névoa de Inverno, que nos mostra que o sonho, nesta cidade, vive também cá fora. Ainda podemos caminhar até casa imersos no nosso novo cinema, que se torna tão ligado ao de Paris. E nunca esquecer...</div><div align="justify"></div><div align="justify"><em>Que je dégradasse les murs de la classe...</em></div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1135999491131944422005-12-31T02:45:00.000+00:002005-12-31T03:44:35.173+00:00King Kong<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/photo_29_hires.jpg" /> <div align="justify">Hollywood, os Óscares, e tudo o que vem atrás disso, é algo que todos os anos, sobretudo por este continente, se costuma criticar, ou mesmo ridicularizar, de vez em quando com argumentos interessantes, muitas vezes sem qualquer ponta de razão. Tal como os Estados Unidos são um grande país, a sua cultura é fascinante, e aí mesmo encontramos esse nome, representativo de tantos anos de cinema, histórias fabulosas, sonhos e aventuras.</div><div align="justify">Nestes últimos anos, é uma constante falar-se da "crise da indústria" - já não existem espectadores, quanto mais cinéfilos, os filmes vêem-se por números, as pessoas parecem desligar-se da magia do cinema, as histórias são banais, as estrelas sem talento. Hollywood perdeu o charme, e entregou-se à mediocridade de um ambiente "reality TV" - actores que são cantores, vindos de programas de televisão-pacote, clichés banais, um cinema sem cultura.</div><div align="justify">Alguns destes pontos são, de facto, verdade. Basta ver o domínio total de filmes americanos no circuito comercial português, olhar para eles, e perceber a sua (falta de) qualidade. São exactamente isso - filmes que se olham, e não mais, como televisão. No entanto, para quem conhece bem o cinema americano, as suas raízes, as suas histórias, o seu modo de funcionar, apercebe-se também que a sua indústria funciona talvez da mesma maneira do que há décadas atrás, com o mesmo sensacionalismo, com os mesmos filmes ligeiros ou fracotes, apenas de forma adaptada à evolução inevitável do tempo. E com tantos filmes produzidos por ano, alguns serão inevitavelmente bons - nem todos podem passar daqui a muitos anos nas cinematecas. Mas <strong>King Kong</strong> de Peter Jackson terá certamente lugar cativo em qualquer arquivo.</div><div align="justify">Curiosamente, este "rejuvenescimento" teve lugar na Nova Zelândia, país natal desse realizador. Mas tudo o que se vê é Hollywood, em todos os seus melhores aspectos. E daí só poderia sair um filme fantástico - Hollywood em todo o seu empenho e inteligência, renovando cenários e efeitos (uma Nova Iorque dos anos trinta impressionantemente reconstruída, uma autêntica homenagem à cidade) que mesmo digitais (para quem me perceba) são sem dúvida dos mais extraordinários já vistos em cinema, Hollywood em constante auto-citação (jogos temporais com nomes de actores, frases, locais, estúdios, até gritos - cinema e vida em agitação permanente), em constante trabalho, risco, entrelinhas (as que Jack quer que Ann veja) e magia.</div><div align="justify">Este filme, tal como o cinema, e sobretudo o americano, é mágico. Não só pelas já ditas imagens inacreditáveis, não como efeitos de jogo de vídeo, mas sim dotadas de forte carga psicológica, como também pela sua construção notável, a sua maravilhosa banda sonora (algo tão hollywoodesco e belo), a importância do som na sua essência, e não como palavra (passam-se minutos e minutos sem intromissões de pontas de diálogo irritante, desnecessário, numa clara rendição à <u>imagem</u>, essência do cinema), a gestão quase perfeita da emoção e da coragem (pecando talvez apenas em exageros pontuais de uma ou outra personagem secundária), e sobretudo, pelas duas maiores cenas de acção que o cinema já viu, passadas na <em>Skull Island</em>, entre uma corrida inacreditável de uma série de brontossauros, e uma luta absolutamente impressionante entre King Kong e um número de Tiranossauros, que tentam atacar a sua amada. Não há palavras para descrever.</div><div align="justify">E palavras é o que o cinema não precisa, tal como Kong, e todas as sequências centrais do filme, aparentemente dividido em três - uma introdução e apresentação de personagens, um capítulo inteiramente reservado à acção (e que acção!) na ilha <u>misteriosa</u>, e uma última parte, passada de novo em Nova Iorque, onde brilha o final em que a Beleza se junta ao Monstro, minutos e minutos de novo sem palavras, só imagem, só cinema.</div><div align="justify">Volta Hollywood, estás perdoada. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1134617506222928502005-12-15T03:00:00.000+00:002005-12-15T03:34:07.223+00:00Cenas da Vida<img alt="Image hosted by Photobucket.com" src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/Scenes_from_a_marriage.jpg" /> <div align="justify"><strong>Cenas da Vida Conjugal</strong> de Ingmar Bergman não é cinema, não é televisão, não é teatro, não é fotografia. No entanto, recolhe cada um desses elementos na sua essência. Apesar de ter sido feito para a televisão, estando expressamente dividido em seis diferentes episódios, a sua passagem pelas salas de cinema, assim como <strong>Saraband</strong>, é inevitável. Para além do nome do seu autor, estão diversos planos totalmente pertencentes ao seu universo e dotados do seu toque único - em cada grande plano de Bergman, para além de um rosto ou de um filme, está <u>o</u> rosto, ou <u>o</u> filme, ou as suas ideias. Em alguns momentos, sentimos o talento de dramaturgo do realizador, o seu lado de criador de um teatro, já vindo de tempos anteriores ao seu cinema.</div><div align="justify">O que é filmado, assim, é um objecto único de <u>vida</u>. Tudo o que passa pelos nossos olhos são episódios reais de uma vida conjunta de duas pessoas, dois indivíduos que percorrem largos anos envoltos de amor, em todos os sentidos da sua palavra, desde ao mais suave e doce, ao mais agressivo e obsessivo. Ficções como casamento(s), <em>affaires</em>, uniões de facto não servem para definir toda uma vivência, toda uma paixão de viver, as suas consequências, atribulações, separações, ou confissões. Bergman ultrapassa toda a arte e rende-nos às condições reais e cruas da vida, tanto em amor na vida conjunta, na solidão acompanhada, ou no isolamento cruel, egoísta, mas necessário. </div><div align="justify">O próprio <u>tempo</u>, temática <em>bergmaniana</em> essencial, não se ouve como noutros filmes, apenas não funciona, tal como o despertador que faz acordar o casal certas manhãs, ou é insuficiente para quebrar a vida. É ela que se quebra por si própria, e Marianne (Liv Ullman) quem acorda sempre Johan (Erland Josephson), num toque suave de dedos em cima do seu peito.</div><div align="justify">Falei ainda de fotografia. Essas são as que estão em casa de cada casal, retratos de momentos da vida, também ficções. Por detrás de cada uma estão as suas cenas da vida conjugal, as suas cenas da vida, o <u>real</u>, o inegável, o inevitável, o que marca cada instante de cada ser, envolto numa união.</div><div align="justify">Assim parece surgir esse cinema, não como espelho imaginário da vida, ou movimento ilusório de imagens, perfeito na sua ideia, mas como uma passagem por tudo o que de superior nos oferece o seu ideal, para finalmente nos oferecer a vida como ela é. Imprevisível, desajeitada, conflituosa, tanto desconforto como conforto, neurose e humor. E daqui surge toda a inspiração para cineastas como Woody Allen, nos seus movimentos de câmara pausados e marcados, e numa ou outra punchline mais cómica ("<em>uma orquestra de cem mulheres com o período a tentar tocar Rossini</em>" - cito Bergman).</div><div align="justify"><strong>Cenas da Vida Conjugal</strong> de Ingmar Bergman não é cinema, não é televisão, não é teatro, não é fotografia. É a vida.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1132858580226952902005-11-24T18:00:00.000+00:002005-11-24T19:04:16.736+00:00Il Gattopardo<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/Leo-screen2.jpg" /> <div align="justify"><strong>Il Gattopardo</strong> de Luchino Visconti é uma obra marcante.</div><div align="justify">Em 1963, data do filme, estamos num ano em que se pode finalmente discutir o cinema italiano como dos mais importantes no mundo inteiro. Após a revitalização do cinema que foi o neo-realismo, surgiram ao longo da década de 50, e nos primeiros anos da seguinte, várias fitas e realizadores-autores que se impuseram como verdadeiros vanguardistas do cinema ou excelentes contadores de histórias, colados à tradição italiana. Aqui encontramos nomes como Michelangelo Antonioni e a sua fantástica trilogia <strong>L'Avventura </strong>(1960), <strong>La Notte</strong> (1961) e <strong>L'Eclisse</strong> (1962), Federico Fellini com <strong>I Vitelloni </strong>(1953), <strong>La Strada </strong>(1954), e sobretudo <strong>La Dolce Vita</strong> (1960) e <strong>Otto e Mezzo</strong> (1963), Roberto Rossellini e Vittorio de Sica, mestres do neo-realismo, já a servirem de inspiração, e finalmente Luchino Visconti, com obras como <strong>Senso </strong>(1954), <strong>Le Notte Bianche</strong> (1957) e <strong>Rocco e i suoi Fratelli </strong>(1960).</div><div align="justify">A obra seguinte de Visconti é exactamente <strong>Il Gattopardo</strong>, um épico de três horas sobre o momento mais marcante da história da Itália - naturalmente, a sua libertação e unificação. Ao longo do filme seguimos este evento visto pela família, e sobretudo, pelos olhos do príncipe Don Fabrizio Salina, numa interpretação fantástica de Burt Lancaster. Podemos ver como, apesar de tantas lutas, tantos gritos, tanta vontade, o essencial fica na mesma. Os nomes continuam, a essencial rotina da nobreza, como explica o genial padre Pirrone, não muda, as classes não vão acabar, as ideias são ideias, mas o povo italiano, os seus modos e tiques, e acima de tudo, o siciliano, esse, não quer mudança, ou melhor, quer mudar tudo para ficar tudo na mesma - escondidos no seu cantinho, lamentando-se diariamente pela tarefa inevitável do viver pesado.</div><div align="justify"></div><div align="justify">E pela história de um país, das suas personagens e cenas típicas genialmente interpretadas, vemos cenários fabulosos, dignos da arte mais impressionista ou da arte mais ricamente realista. Desde o forrado da sala, aos vestidos das senhoras, aos pratos servidos, à disposição de cada um pelo ecrã scope, cada plano aparece-nos como um quadro eterno, uma imagem digna de um sonho, vindo da maior sensibilidade do belo de todas - a de Visconti.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/Leo-screen8.jpg" /></div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify">Mesmo os choques encaixam-se na fluidez da filmagem, as aparições geniais como a de Don Calogero Sedara, novo burguês tosco pinto-calçudo, que se diverte ao calcular tanta riqueza antiga que o rodeia por equivalências em hectares e propriedades, a entrada da fabulosa Angelica, Claudia Cardinale no seu papel mais carnal e fatal, ou as barulhentas tropas e o seu general de botas por dentro de um último baile da mais alta e exclusiva classe. A mesma actriz é protagonista, com Alain Delon, de uma das cenas mais eróticas da história do cinema, ao se "passear", com o seu noivo, pela casa abandonada, já demasiadamente vazia para poder controlar tanto desejo, tanta obsessão carnal (repito-me), uma cena de uma intensidade doentia.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/Leo-screen4.jpg" /></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">E no fim, o que temos, é a morte do Leopardo, genialmente filmada por Visconti através, desta vez, de um verdadeiro quadro, e de uma valsa, a pontuar o auge da decadência mais bela do cinema. É ele que segue sozinho por entre os tiros de uma guerra inacabada, que ele próprio aceitou naturalmente, uma guerra que já não travará totalmente, nem precisará. Segue o seu sobrinho (Alain Delon), financeiramente equivalente a uma suposta classe média, que protege a sua noiva burguesa, bela, e rica (Claudia Cardiale) dos brutos sons vindos do exterior do seu coche.</div><div align="justify"></div><div align="justify"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/Leo-screen7.jpg" /></div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify">Em 1963, o Leopardo morreu. E a partir daí, levou consigo, por entre a bruma de uma manhã suja, todo um cinema de um país, que nunca mais se conseguiu verdadeiramente erguer em todo o seu poder. Fica uma obra que ainda serviu de profunda inspiração, mas para outras bandas de novas terras e novos italianos, para filmes como <strong>The Godfather</strong> (1972) de Francis Ford Coppola, e a sua sequela de 1974, ou homenagens como <strong>The Age of Innocence</strong> (1993) de Martin Scorsese. Mas estes não chegam - e nunca é demais repetir. <strong>Il Gattopardo</strong> é um filme marcante. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com30tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1132454027870799582005-11-20T02:06:00.000+00:002005-11-20T02:38:21.926+00:00Lawrence of Arabia<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/lawrence-of-arabia-17.jpg" /> <div align="justify">Quem esteve no deserto, sabe que é um sítio perigoso. Não por escorpiões, areias movediças, tempestades, ou ladrões nómadas. T.E. Lawrence nunca tinha estado nele, mas já o sabia, antes de todos. Porque é o sítio da perda. Não da de sentido e orientação - a perda pessoal, a que sentimos que nos atormenta em alguns momentos, pronta para nos tomar conta e derrubar aquilo que somos, ou pensavamos que eramos. A perda onde um se se perde, por si próprio. Onde se perdem as imagens fabulosas de <strong>Lawrence of Arabia</strong>.</div><div align="justify">Por isso é que ninguém fica no deserto. Uma vez que se caminha, não se volta atrás, anda-se sempre em frente. Mas Lawrence desafia o que está escrito, blasfema contra o (seu) destino, e muda-se a si mesmo. Torna-se em "Al Orence", mais que um deles, um que parece mostrar o caminho a todas as tribos "árabes", mas sem identidade.</div><div align="justify">E a identidade deste, após quase quatro horas de fita, no que fica? Um <em>english</em> tradicional, que quer voltar à sua <em>cottage</em>, e praticar pesca no sossego tradicional britânico, um berbére de roupas brancas, destinado a perder-se para sempre no (seu) deserto, um homem "diferente", a lidar para sempre com o choque da violação de tudo o que pensa ser?</div><div align="justify">O próprio filme, iniciando-se e terminando com uma peça musical e um ecrã preto por alguns minutos, acaba por representar, no fundo, o mesmo que uma das maiores miragens do cinema - a aparição de Sherif Ali (Omar Sharif), tão real como ilusória. Mas como se concluí, "uma ilusão pode ter muito poder".</div><div align="justify">E assim Lawrence, outra vez como tal, termina - no ínicio do filme - como outra miragem. Ninguém, na verdade, é capaz de descrevê-lo para quem quer transmitir a <u>verdade</u>. E para quem se indigna perante tamanha blasfémia, refuta-se com argumento físico do aperto de mão, tal dia em Damasco. Será mesmo? É ainda a personagem principal que, nesse mesmo dia, apenas responde para o mesmo indivíduo - "<em>haven't we met before</em>?". Na <u>realidade</u>, encontraram-se anos mais tarde, nesse seu funeral, através do espectador, muitas sequências antes.</div><div align="justify">Miragem, deserto, mistério, medo. Por uma vez, eis que o cinema não existe para que nos possamos encontrar - existe para que nos possamos perder.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1131738447092582012005-11-11T19:23:00.000+00:002005-11-11T19:52:33.560+00:00Like Dylan in the Movies<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/dylan-E022-7.jpg" /> <div align="justify">Em 1965, quando grupos como os Beatles e os Rolling Stones tocavam para salas cheias de adolescentes histéricas, formando um barulho superior a o de um motor de um avião da altura, impedindo as próprias bandas de se ouvirem elas mesmas, um americano esgotava outros recintos mais eruditos, tocando durante hora e meia para outros adolescentes em <u>absoluto silêncio</u>, ouvindo cada palavra das histórias desse poeta, umas realistas, outras já mirabulantes. Bob Dylan foi, assim, filmado por D.A. Pennebaker durante esse breve período, um marco para o cinema documental, para outros músicos, e para o próprio, que nunca mais voltaria atrás - <strong>Don't Look Back</strong>.</div><div align="justify">Vemos já Bob Dylan a lutar contra uma imagem sua imposta por fãs e jornalistas, uma responsabilidade pessoal para com cada um que o ouve e que se identifica como "seguidor", a combater uma linguagem estabelecida como único meio de comunicação e de reconhecimento para todos os que o rodeiam. Esses concertos seriam os últimos em que se apresentaria sozinho com uma guitarra acústica, a cantar "pacificamente", tocando todas as músicas que os seus admiradores queriam ouvir.</div><div align="justify">O cinema de Dylan exigia algo mais, algo único, diferente, uma verdadeira música de <u>protesto</u>, não a já gasta folk, mas violenta, absolutamente surrealista, na verdade, um choque que deitasse abaixo tudo o que se julgava como adquirido ou correcto. <em>Like a rolling stone</em>.</div><div align="justify">Por isso, tão interessante como ver a personagem bem-humorada ou a proteger-se atrás de uma porta ou de uma máscara, será seguir esse mesmo cinema de Dylan nas músicas e nos álbuns que apresentou nos dois anos seguintes, algumas já tocadas em 1965, como "<em>It's Alright Ma (I'm Only Bleeding)</em>" e "<em>It's All Over Now, Baby Blue</em>", épicos artísticos dignos das personagens <u>cubistas</u> de Picasso, das <u>cores</u> de Matisse, das <u>formas</u> de Cézanne.</div><div align="justify">Assim foi. <strong>Don't Look Back</strong> é o testemunho histórico de um artista superior a todas as interpretações, a qualquer mensagem, a caminho do ponto mais alto da sua criatividade. Como o próprio afirmaria, "<em>I ain't gonna work for Maggie's farm no more...</em>", ou mesmo:</div><div align="justify">"<em>Leave your stepping stones behind, something calls for you</em></div><div align="justify"><em>Forget the dead you've left, they will not follow you</em></div><div align="justify"><em>The vagabond who's rapping at your door</em></div><div align="justify"><em>Is standing in the clothes that you once wore</em></div><div align="justify"><em>Strike another match, go start anew</em></div><div align="justify"><em>And it's all over now, Baby Blue.</em>" </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1129771990643263952005-10-20T01:52:00.000+01:002005-10-20T02:34:36.443+01:00Shane e o Western<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/1.jpg" /> <div align="justify">Dizer qual é o melhor western de sempre é o mesmo que perguntar a várias pessoas qual é a sua cor preferida. Cada um tem os seus tons, e cada um lhes faz lembrar qualquer coisa, da mais banal à mais complexa. Há westerns-comédias, ou quase (os enredos sempre magníficos de Hawks), westerns de luta e de passado (de cada personagem de Ford), westerns-drama (<strong>High Noon</strong> e o seu tempo real), ou westerns apaixonados, como <strong>Johnny Guitar</strong> de Nicholas Ray. Esquecendo a cor preferida, este cinéfilo tenderia para escolher, provavelmente, <strong>The Searchers</strong> do mestre John Ford como o seu, obra-prima absoluta do cinema.</div><div align="justify">Percebe-se a razão pela qual o western sempre foi um género de eleição e de perfeição no cinema - nele cabe tudo, dele e das suas paisagens parte-se para tudo. No entanto, existe ainda outro. Pode-se não discutir qual deles todos será o melhor, mas será apenas justo considerar um desses mesmos como a quintessência do western - e esse filme chama-se <strong>Shane</strong>.</div><div align="justify">A obra de George Stevens possui tudo o que se pede ao género, das melhores maneiras: simplicidade, emoção, rivalidades, paixão. E, já agora, bons movimentos de câmara. Os seus actores eram quase todos desconhecidos do grande público, excepto Jean Arthur, actriz-símbolo de Frank Capra, aparecendo aqui no seu último papel. Alan Ladd, o seu actor principal, foi estrela de série-B da época <em>noir</em>, tendo após este filme surgido como novo herói western-B. O seu cenário é simples, mas estrondoso - são muito poucos os espaços pequenos que permitam fechar toda a história. As suas próprias lutas, tecnicamente preciosas, quando fechadas entre paredes, tendem a explodir para fora. Shane é, também ele, a quintessência do bom-cowboy - fala pouco (só quando deve), só precisa de uma arma, esconde um passado (que nunca revela) à procura de estabilidade e de acolhimento, apaixona-se por uma mulher bonita que o ama, mas sacrifica-se pela família dela e pelo seu isolamento. Assim parte, de novo, rumo à paisagem, sozinho, como tinha feito à chegada. Jack Pallance, a fazer de vilão, de chapéu preto, de luva preta, e com um rosto inconfundível, é, arrisco-me a dizer, o mais perfeito fora-da-lei. Fala com as duas pistolas, e mata com o olhar.</div><div align="justify">O que está em causa em <strong>Shane</strong> é, portanto, tudo o que se colocou no género, e não só - a eterna luta, a comunidade, a amizade, o amor, a morte, e o passado. Sempre, o passado, como que relembrado por cada um dos momentos do essencial tema musical. Assim se vive no western, género solitário, mas género por essência, e por inspiração. Caminhando solitariamente no (seu) cinema, espelho da vida.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1129601827430414482005-10-18T02:41:00.000+01:002005-10-18T03:17:07.476+01:00Last Days<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/lastdays04.jpg" /> <div align="justify"><strong>Last Days</strong> é um filme de um dos cineastas norte-americanos mais importantes da actualidade (o que ainda se pode chamar verdadeiramente "cinema de autor" hoje em dia) num autêntico ponto de mestria técnica. A própria obra tem sido vista como um ponto final na trilogia da "morte juvenil", também testemunhada no minimalista mas belíssimo <strong>Gerry</strong>, e em <strong>Elephant</strong>, vencedor da Palma de Ouro de Cannes. Os pontos comuns entre as três fitas são reconhecíveis, mas cada um adquire a sua beleza própria - e <strong>Last Days</strong> não é excepção.</div><div align="justify">No que poderia facilmente ser um filme em crescendo emocional até ao seu momento fatal, com grandes momentos de agressividade ou choque físico e verbal, acaba por ser uma reflexão, em todo o seu sentido interior, dos últimos dias de alguém em solidão absoluta e total, à procura de uma certa catarse, que o limpe ou o liberte (como pergunta certa personagem a dada altura), de tudo o que se teria conhecido, dito, ou até tocado. Aliás, as últimas músicas da vida de Barry são momentos fantásticos de preenchimento sonoro, e da sua própria desconstrução (sons que se vão confundindo, cordas partidas, berros que se ultrapassam...), testemunhadas por movimentos de câmara perfeitos.</div><div align="justify">O que se prolonga pelo tempo é um ser em contacto com os elementos mais puros da natureza, em rejeição do mundo exterior, e dos que o habitam, que se auto-flagelam no prazer físico, tóxico, e imundo, ao som de <em>Venus in Furs</em>. A intimidade ou ilusão física dá lugar a uma série de deambulações por caminhos e mais caminhos, desconhecidos e descobertos, por Barry e pelo próprio espectador em simultâneo, em planos unicamente característicos de Van Sant, tanto na fabulosa luz do dia claro, como na noite enevoada, orquestrada por odes musicais inesperadas, ou estranhas frases murmuradas para não se sabe quem.</div><div align="justify">E o fim de Barry torna-se angelical, num dos planos mais bonitos de todo o filme - o que tem alma, no seu momento mais lúcido, a libertar-se do corpo, como um anjo a caminho do céu, uma imagem digna do mais belo Renascentismo, uma imagem divina de Miguel Ângelo.</div><div align="justify">A própria beleza de todo o movimento e montagem de Van Sant estende-se ao som, recheado de barulhos longínquos, comuns, mas também como que aleatórios e bizarros, assim que outros promenores, coros, sinos, ou memórias sonoras, em substituição de uma música ou de outros diálogos.</div><div align="justify"><strong>Last Days</strong> é, assim, todo um momento, uma proximidade constante de morte, refúgio, solidão, pureza, nos últimos dias de vida de alguém que ninguém conhecia, nem conhecia ninguém. Uma fantástica obra de arte.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1129515134808684972005-10-17T02:50:00.000+01:002005-10-17T03:21:52.636+01:00Uma imagem de Alice<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/alice09.jpg" /> <div align="justify">Mais que sobre um desaparecimento, <strong>Alice</strong> de Marco Martins é um retrato - de uma cidade anónima e dos seus arredores sem detalhes, de uma rotina eterna e obsessiva, de uma <u>ausência</u>, que parece prevalecer sobre qualquer outra emoção, ou raramente dá lugar a outra expressão que aquela carregada por Nuno Lopes ao longo de quase todo o filme. Ao colocar-se perante uma outra câmara de filmar, que não uma das suas, e ao ver-se em todos os televisores colocados à sua frente, este, e nós, deparamo-nos com a verdadeira realidade deste filme - uma (série de) imagem(ns) plana(s), desprovida(s) de sentido vivo, totalmente ausente(s).</div><div align="justify">A própria ideia de intimidade é ou rejeitada ou ignorada ao longo de toda esta obra. São imagens que não se vêem de um casal, imagens reais que não se vêem de uma filha, são festas, beijos, e afectos negados a todo um círculo de pessoas, em todos os seus momentos. Prevalece aqui a obsessão imaginária de uma condição, ou função em falta, o pai, que puxa por si, por uma imagem, e rejeita (fisicamente) a condição física, a mãe, até às suas últimas consequências. </div><div align="justify">E perante uma "ameaça" de reencontro físico com a sua filha, o pai (ou a imagem de um pai), não se precipita e corre atrás dela, não berra, não se agita. Apenas a segue, lentamente, tal como um outro <em>frame</em> qualquer da sua colecção de gravações (sempre as mesmas, outro indício de repetição), como se surgisse agora o medo de quebrar o seu "sistema", ou melhor, o seu ritmo e valor (vazio) de imagem.</div><div align="justify">A filha Alice e, de novo, a (sua) ausência, está em cada plano da cidade, em cada (raro) desvio de olhar, em cada nota (repetida) que se ouve ao longo de um tempo, nunca tão cíclico.</div><div align="justify">O que fica no final, inteligentemente, e que nos acaba por comover certeiramente, é a esperança, no único momento de todo o filme em que surge alguém a reparar nesse pai em falta. E daí se guarda o que faz viver a sua personagem, caminhando em frente.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1128212516195506902005-10-02T00:50:00.000+01:002005-10-02T01:28:40.096+01:00O Éden, o Rebelde, o Gigante<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/REBEL_WITHOUT_A_CAUSE.jpg" /> <div align="justify">Um dos momentos mais marcantes para um cinéfilo, para além de grandes filmes ou grandes sessões, são as chamadas aparições. E uma das maiores delas todas é a de James Dean, mesmo cinquenta anos após a sua morte. Porque à semelhança de outras, ver James Dean no ecrã é ver tanto vida como (a sua) morte, um misto de real com divino, de um ser complexo com um anjo sem sexo - assim se apaixonaram todos por ele nos bastidores de <strong>Rebel Without a Cause</strong>, Nicholas Ray, Natalie Wood, e Sal Mineo. Depois desse dia, nunca mais se vê da mesma maneira, nunca mais se se mexe do mesmo modo, nunca mais se joga repetidamente no palco da vida. Porque Dean é totalmente diferente de qualquer outro actor conhecido - é espontâneo, ultimamente verdadeiro, sincero, totalmente original e surpreendente. Muito para além da sua conhecida adopção do "método" do Actor's Studio, um modo de actuar baseado na exploração da psyche do próprio actor (contra todas as críticas, fascinante), surgiu algo que parece quebrar todas as barreiras tradicionais da interpretação artística, algo que ultrapassa a própria representação, a sua mentira, e as fronteiras entre indivíduo, personagem, e sobretudo cinema. Não se trata sequer do caso de um actor levar todo um filme por si - essa ideia acaba ela própria por ser quebrada. O que se assiste é todo um outro cinema, tanto dele como nosso. Porque Dean procurava sempre algo de puro, algo que o sossegasse, algo de verdadeiro. Como todos nós.</div><div align="justify">Assim, ver James Dean é mais que um privilégio - é um choque nunca antes assistido, algo que acaba por mexer com o espectador tanto intelectualmente como sentimentalmente. É apaixonar-se de novo e constantemente pelo cinema, ganhar uma fúria de viver. Esta é a marca de um actor reconhecido em apenas três filmes, do mito mais verdadeiro e real de todos. A estreia dos seus dois últimos após a sua morte, o fabuloso e já mencionado <strong>Rebel Without a Cause</strong> e <strong>Giant</strong> (de George Stevens), e toda a reacção que se seguiu, com testemunhas a negarem a sua morte, tendo os próprios filmes em mão para prová-lo, apenas vem a provar a eternidade do cinema. Aqui, não se morre. Vive-se intensamente. </div><div align="justify">James Dean é o maior actor de sempre do cinema, porque é eterno.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1126833575519176152005-09-16T01:58:00.000+01:002005-09-16T02:30:32.086+01:00Uma actriz monumental<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/portrait28.jpg" /> <div align="justify">Após ver um filme como <strong>Dark Victory</strong>, é difícil não se render à suprema personalidade, olhar, e talento de Bette Davis. É difícil não nos comovermos ao que realmente torna esse filme num objecto essencial para qualquer cinéfilo - todo o olhar da actriz, que nos conduz até à sua morte, ponto final anunciado no filme. Esse mesmo momento, e os seus últimos planos, são os de uma personagem cheia de vida confrontada com os seus últimos minutos, suaves, tranquilos, e mesmo ternurentos de vida e de despedida a todos os que a amaram.</div><div align="justify">A presença de Davis é de tal maneira fulgurante que não cabe no ecrã - é conhecida a sua vida pública activa, combativa, contra estúdios e rivais, também no seu próprio interesse. Mas o seu talento é raro, e a sua postura ainda mais - alguém de uma força tremenda, de um olhar, de um rosto, e de feitios que valem por mil palavras, de uma atitude que, mais que se confundir, carrega e levanta um filme e um cenário, uma presença inegável e nunca mais igualada. Sugerir algo de igual hoje em dia seria patético.</div><div align="justify"><img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/jimdarkvictory006.jpg" /></div><div align="justify">Por isso, quando finalmente se fecham os seus magníficos olhos nesta fita, para encarar o seu último momento, a imagem vai desaparecendo, e o que nos fica é a sua força inabalável de vida, já pacificada, e em harmonia com tudo o resto. Pela primeira vez, e muito brevemente, o filme resume-se a si próprio, no apagamento do rosto e da visão de Davis. Quando surge o momento em que esta se prova deteriorada e sem retorno, é o maior dos choques para o espectador - ele sabe que tudo (Davis) vai encontrar o seu fim. E assim fatalmente se fecham uns olhos, um rosto, um olhar. Mas que rosto, que olhar. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1126831924928253482005-09-15T23:23:00.000+01:002005-09-16T01:58:04.423+01:00A solidão do cinéfilo<img alt="Image hosted by Photobucket.com" src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/11.jpg" /> <div align="justify">Para qualquer cinéfilo militante, a sensação de se dirigir a uma sala de cinema sem companhia é já algo de perfeitamente natural, óbvio, parte integrante do dia-a-dia, ou, se quiserem, muitas vezes o ponto alto desses. É a partir da nossa solidão que fugimos dela própria, que nos apresentamos na sala como um fantasma de imagens perante outros fantasmas projectados - assim somos cinema. </div><div align="justify">O factor "companhia" surge várias vezes, e torna-se sempre determinante para toda experiência sentida dentro da sala. Continua o nosso cinema a ser confrontado, mas já de outra maneira, permitindo certos pontos, características ou tiques de se sobrevalorizarem perante um certo reagir habitual. Muitas vezes, filmes tornam-se sensacionais pela companhia perfeita, desinteressantes por acompanhantes menos óbvios ou chatos, cenas de grande violência provocam risadas nervosas ou desafiadoras de uma certa condição, momentos aparentemente banais tornam-se em cenas centrais, e por aí fora. </div><div align="justify">Em linguagem crítica, não é inocente a primeira pergunta feita que todos fazem uns aos outros à saída da sala - "<em>o que é que achaste?</em>". Se assim o é, é para descobrirmos a nossa opinião sobre o que vimos. Tal facto retira brevemente o cinéfilo da sua solidão e da sua condição humana única, e mostra que o cinema também são os outros. Mas há filmes que devem sempre ser vistos nessa condição suprema solitária, ou dias em que parece que só se vai ao cinema sozinho. Todos nos recordamos dos nossos primeiros beijos (<strong>The Quiet Man</strong>), dos primeiros olhares (Bette Davis), dos primeiros rostos e paixões infinitas (Marilyn), dos momentos que julgavamos perdidos na nossa solidão (<strong>Rebel Without a Cause</strong>), de um amor que parecia nunca ter existido (<strong>Some Came Running</strong>), da dimensão de uma culpa e da humanidade (<strong>Umberto D.</strong>), das primeiras explosões (<strong>À Bout de Souffle</strong>), das primeiras lágrimas (<strong>Vivre sa Vie</strong>), da nossa permanente inocência (<strong>Les Quatre Cents Coups</strong>). E por muita ou pouca companhia, esses momentos serão para sempre nossos. Assim caminha o cinéfilo sozinho pela rua fora, de volta ao seu lar, para se juntar de novo ao sonho numa outra (mesma) noite.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1122680896960156462005-07-30T00:15:00.000+01:002005-07-30T01:06:10.053+01:00A Janela Indiscreta<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/21.jpg" /> <div align="justify"><strong>Rear Window</strong> é o cinema na sua perfeição. Ou melhor, é o filme perfeito, ou uma obra onde mais perto se esteve de um chamado "cinema puro" - de exclusivo movimento e de desenrolar de toda uma história a partir de um só sítio (o quarto de James Stewart, ou a nossa sala de cinema), de projecção de vários écrans (as outras janelas) dentro daquele único que vemos, o voyeurismo na sua condição máxima como existência humana, ou uma pura lição de mestria técnica, e não só, de cinema. Assim nos é feita toda a introdução necessária ao espectador no começo do filme por um puro movimento de câmara na mesma sala de Stewart - está calor, o protagonista está numa cadeira de rodas com uma perna em gesso (onde se lê o seu nome), provocada por um acidente de trabalho, comprovado pelas próprias fotografias que ele tirou na sua última missão, a de uma corrida de automóveis, para um homem habituado ao perigo, ao ter estado na guerra ao serviço da aviação do seu país - um momento absolutamente genial, sem uma única palavra.</div><div align="justify">Apenas Hitchcock saberia filmar um filme assim. Cada momento é sustentado pelo seu choque, cada prova aparentemente negada se arrasta e sobrevive por um gesto - o comichão de Stewart, um certo <em>McGuffin</em> que acaba por carregar a <u>vontade</u> perversa insaciável, um agitar de copos, como se se magicasse todo um fim que se <u>deseja</u>, ou uma massagem nas suas costas, que "arrefece" os seus músculos e chama-os para se mexer e remexer no seu cinema.</div><div align="justify"><img alt="Image hosted by Photobucket.com" src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/HitchRearWindow03.jpg" /></div><div align="justify">Hitchcock não só nos faz ver coisas que não estão lá, como oferece prazer total ao espectador - tanto no seu desejo de crime, como no de breve e fraquíssima decepção, imediatamente quebrada por outro acontecimento, como na junção de cada um dos cinemas que vemos em cada uma das telas (as janelas). Uma <u>música</u> que parte de um lado e chega a outro, e que evita o que seria um destino, ou um pobre e inocente assassínio que parece levar todos às suas varandas, excepto o indivíduo que sabe o que os outros nem se interrogam, e aquele outro que já não aguenta o seu <u>comichão</u>.</div><div align="justify">No fim, mais que uma vitória de casamento (a fabulosa Grace Kelly, centro de uma das aparições mais belas do cinema - um beijo talvez apenas "superado" pelo de <strong>The Quiet Man</strong> de Ford, dependendo do <u>gosto</u>), e que conquista finalmente o seu amor ao apontar a aliança no seu dedo (tal como a outra <em>"Miss Lonely Heart", </em>que aponta para o disco que a salvou), mais que uma vitória da intuição feminina (a revista de moda que vence a dos Himalaias no final), mais que uma vitória de um crime (talvez nunca um tenha sido tão desejado, mais até que uma noite de amor de um par numa só cama, às escondidas de quem manda), trata-se de uma vitória do cinema, e da sua concretização num dos seus estados mais puros e verdadeiros. No génio de Alfred Hitchcock, <em>Monsieur Hitchcock</em>, aquele que nos mostrou tudo o que queriamos que fosse mostrado, para além de qualquer limite e de qualquer teorização. <strong>Rear Window</strong> não é só um exemplo de como se faz um filme - é simplesmente cinema puro.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1122073777365393012005-07-22T23:28:00.000+01:002005-07-23T00:16:33.863+01:00En Passion<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/passionofanna2.jpg" /> <div align="justify"><strong>En Passion</strong> de Bergman não é só (sobre) paixão - é sofrimento, angústia, mentira, neurose, trauma e sentimento, ou seja, tudo o que é humano. É um homem perdido na(s) sua(s) identidade(s), na angústia da sua condição e da de todos os outros, num mundo sem verdade ou propósito, o nosso, o de cada um destas personagens, aleanadas da verdade, num duplo jogo identitário de representação - os seus actores assim vão interrompendo a narrativa por confissões <em>reais, </em>ou não tanto, interrogados pelo próprio realizador.</div><div align="justify">O trauma de Bergman, fisicamente presente por assassínios arbitrários dos animais da ilha, pelo coxear de Anna, ou pelas explosões violentas de Andreas sobre esta (e quem mais?), é toda uma constante presente entre personagens, entre diálogos, e entre cenas, no que não se vê. Talvez aí se esconda a verdade desse filme, que parece constantemente escapar ao nosso alcance, e tanto angustiar Andreas. O seu sofrimento é o mais comum de todos, o da condição humana, sob o cinema de Bergman. Um mundo, ou uma ilha, onde se perde o sentido das coisas, onde este nunca existiu, onde se perde a vontade ou de viver (a marca sempre presente do suicídio, e a sua carga de inevitável culpa), ou a inerente à da própria arte e de criar (um artista cínico, que se recusa tanto enfrentar a sua realidade, como uma tal essência original do acto criativo, desprezando-o até).</div><div align="justify">E nos rostos de Bergman, une-se todo esse cinema, toda uma carga, neste filme, tanto de verdade como de mentira, numa expressão constante e sentida, no grande plano da vida. E quem nunca viu um filme de Bergman não sabe o que é um grande plano.</div><div align="justify">Assim é no fabuloso plano do rosto de Anna (Liv Ullman), durante cerca de cinco minutos, um dos momentos mais belos de Bergman e de todos os outros cineastas, ou aqueles que se apresentem como tal. Pois escrever Bergman, é escrever Cinema, e tudo o que isso comporta, na sua máxima carga. Mesmo sem resposta, pois o Homem não tem respostas para dar, perante um Mundo que pouco tem para nos oferecer sentido ou razão a tudo o que se sucede, a tudo que julgamos ser a nossa vida. Resta, a este cinéfilo, viver na sua paixão, por Bergman, pelo cinema, por este que é harmonioso no conflito, também solitário, também pacífico como intenso, sempre belo no que não tem que se explicar, mesmo se o Homem não o consegue alcançar. Resta-me reclamar <strong>En Passion</strong> como dos filmes mais marcantes para Ele, ser doente, como somos todos, passageiro entre salas, sonhos e cores (tal como as passagens sublimes deste filme), solitários mas sinceros. Como Bergman sempre se mostrou.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1121909176843307232005-07-21T01:50:00.000+01:002005-07-21T02:30:38.853+01:00The Barefoot Contessa<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/BarefootContessa3.jpg" /> <div align="justify">Ava Gardner em todo o seu esplendor, numa dança cigana, ao ver pela primeira vez aquele que seria o seu "príncipe encantado" - toda a sua história, todo o seu físico, toda(s) a(s) sua(s) cor(es), toda uma beleza fascinante, que não só fascina "os seus homens" (como diz Bogart, que se assume como "pai, amigo, realizador, psiquiatra amador..."), mas que os prega ao chão, de tal maneira que se vêem todos impotentes, mesmo quando esta se apresenta de fato de banho preto, num iate, ao sol, e que a ilumina perante todos eles, num plano fabuloso e central do filme, como todos os outros em que apareça Gardner são. Mas esta impotência não é mais que um ponto de toda uma questão, afinal, sempre a mesma de todos os grandes filmes - a eterna fronteira entre cinema e vida, vida e cinema, com "duas, uma, ou nenhuma dimensão". Assim se juntam e se completam magistralmente relatos entre os homens no seu funeral perante a sua estátua frígida, que apenas se sustém pela sua morte, presente desde o início, e pelo cinema de cada um (o que foi e o que será - "<em>che sará, sará</em>").</div><div align="justify">A vida como um mau filme, um filme que não resultou pelas conflitualidades da vida, um cinema que se sonha, um real que parece demasiado perfeito, um desfecho fatal e já anunciado, a da condessa descalça, que jogava com o seu cinema, um primo que não o era, um amigo tanto confidente como pai, uma viagem e um barco que para fuga serviram. "Figuras" como estas, potenciais de vida e de sonho, existem por toda a parte, assim o diz Bogart, esta apenas não se prenderá por um par de "sapatos" (e toda a psicologia que isso comporta), e continuará livre, embora o cinema, nosso como dos outros, permanecerá sempre preso a todos, para bem ou para mal.</div><div align="justify">Maria Vargas acaba, tragicamente, como a história dos seus pais, que sempre amou, também amando o seu príncipe, procurando fatalmente a concretização do ideal dentro da sua realidade. Para uns, fica uma vida, para outros perdurará um cinema, para todos, este será eterno, na divina beleza de Ava Gardner, e da obra-prima de Joseph L. Mankiewicz.</div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1121132610099638642005-07-12T02:19:00.000+01:002005-07-12T02:45:52.450+01:00Cinema e Vida<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/dp2fc4819.jpg" /> <div align="justify">A vida é provisória, instável, muito provavelmente não faz sentido, inexplicável, palco de desencontros eternos e constantes, (discutivelmente) insastifatória para o Homem (tanto para quem quer ou não quer morrer), é temporalmente indefinida e restringidora na sua realidade. Não se pode controlar, remete o sonho para outra qualidade, não escolhe efeitos, ângulos, luminosidade, não ordena sequências nem as junta, não é arte. Na vida, tende-se a escolher caminhos pré-existentes, em vez de criá-los, viver por convenção. A vida é real, dura, crua, raramente a criamos, mais vezes a seguimos.</div><div align="justify">O cinema é eterno, belo na pior das aparências, total, uno, e harmonioso, com princípio, meio, e fim (mas não necessariamente por essa ordem), é toda uma promessa que vive, e que não se fica pela sua condição pré-definida, é todo um imaginário que interage com inúmeros outros, todo um mundo que se cria e que nos coloca a todos como iguais. É toda uma possibilidade de planos, sequências, coordenadas por uma sala de montagem, local central de construção e desconstrução, cortes e correcções, magia e arte. É dizer tudo por um rosto, mostrar tudo por uma paisagem, jogar com o nosso subconsciente por uma imagem. É todo um movimento que nos cola a um autor, uma visão do mundo que nos retira da solidão, e que nos faz realmente existir. Uma projecção, uma escuridão unicamente iluminada por imagens, um espelho que nos mostra quem somos e, sobretudo, quem podemos ser.</div><div align="justify">Vida e cinema, separados ou juntos, para sempre presentes. Amar a vida, viver pelo cinema. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-13722334.post-1120529386731921062005-07-05T02:47:00.000+01:002005-07-05T03:09:46.736+01:00Chaplin e o Mundo<img src="http://img.photobucket.com/albums/v301/guido812/la%20saraghina/chaplin_goldrush_full.jpg" /> <div align="justify"><strong>A Quimera do Ouro</strong> será sempre, para mim, um filme dramático. Uma obra enriquecida por momentos de gags hilariantes, mas sempre ternurentos - Chaplin a brincar com o pão e a fazer o seu número mágico, a luta pela vida contra o canibalismo do seu companheiro de cabana, uma casa a voar no meio de uma tempestade, mas que não acorda a personagem de um sono profundo, ou uma dança com um par de calças velho e roto a cair constantemente (e depois seguradas por um cão que persegue um gato) com o par com que sonhava, o da fotografia que guardava debaixo da sua almofada (certamente para outras tempestades e mágoas).</div><div align="justify">Porque os momentos mais marcantes desta obra serão sempre o de Chaplin e a sua solidão - os seus modestos aposentos a cumprir a promessa de um lar impecavelmente arranjado para uma passagem de ano prometida, não cumprida, mas sempre perdoada, os presentes e boa-fé para todos, a sua explosão total de alegria, que acaba por anular o efeito de destruição que esse provoca, ou finalmente, um corpo que entreabre uma porta para ouvir o som longínquo da convivência e da comunhão entre pessoas e camaradas, um rosto que se encosta a uma janela gelada para receber o calor da vida, num dos momentos mais belos e eternos de sempre.</div><div align="justify">A sua obra-prima está na sua sinceridade, uma humanidade talvez pessimista, talvez cómica, mas inerente a qualquer um. Uma solidão de um indivíduo perante um mundo que o trama (os efeitos da força da natureza, que parece varrer tudo o que é paisagem - esta acaba por ser as próprias pessoas), que nunca mudará, nem por muitas outras minas. Assim também fica Chaplin, para sempre o mesmo, na sua quimera - o seu cinema, por fim concretizado e realizado. </div>Francisco Valentehttp://www.blogger.com/profile/09924527191493168222noreply@blogger.com1