quinta-feira, setembro 15, 2005

A solidão do cinéfilo

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Para qualquer cinéfilo militante, a sensação de se dirigir a uma sala de cinema sem companhia é já algo de perfeitamente natural, óbvio, parte integrante do dia-a-dia, ou, se quiserem, muitas vezes o ponto alto desses. É a partir da nossa solidão que fugimos dela própria, que nos apresentamos na sala como um fantasma de imagens perante outros fantasmas projectados - assim somos cinema.
O factor "companhia" surge várias vezes, e torna-se sempre determinante para toda experiência sentida dentro da sala. Continua o nosso cinema a ser confrontado, mas já de outra maneira, permitindo certos pontos, características ou tiques de se sobrevalorizarem perante um certo reagir habitual. Muitas vezes, filmes tornam-se sensacionais pela companhia perfeita, desinteressantes por acompanhantes menos óbvios ou chatos, cenas de grande violência provocam risadas nervosas ou desafiadoras de uma certa condição, momentos aparentemente banais tornam-se em cenas centrais, e por aí fora.
Em linguagem crítica, não é inocente a primeira pergunta feita que todos fazem uns aos outros à saída da sala - "o que é que achaste?". Se assim o é, é para descobrirmos a nossa opinião sobre o que vimos. Tal facto retira brevemente o cinéfilo da sua solidão e da sua condição humana única, e mostra que o cinema também são os outros. Mas há filmes que devem sempre ser vistos nessa condição suprema solitária, ou dias em que parece que só se vai ao cinema sozinho. Todos nos recordamos dos nossos primeiros beijos (The Quiet Man), dos primeiros olhares (Bette Davis), dos primeiros rostos e paixões infinitas (Marilyn), dos momentos que julgavamos perdidos na nossa solidão (Rebel Without a Cause), de um amor que parecia nunca ter existido (Some Came Running), da dimensão de uma culpa e da humanidade (Umberto D.), das primeiras explosões (À Bout de Souffle), das primeiras lágrimas (Vivre sa Vie), da nossa permanente inocência (Les Quatre Cents Coups). E por muita ou pouca companhia, esses momentos serão para sempre nossos. Assim caminha o cinéfilo sozinho pela rua fora, de volta ao seu lar, para se juntar de novo ao sonho numa outra (mesma) noite.

7 comentários:

Ricardo disse...

Maravilhoso texto. Talvez tenhas o melhor blog de cinema em Portugal. Estudas cinema?
Abraço.

Francisco Valente disse...

Estudo cinema, indo à cinemateca. Obrigado.

Ricardo disse...

Se só estudas indo à cinemateca, escreves muito bem. Parabéns.

Margarida disse...

irónicamente ou não, o único filme que vi numa sala de cinema vazia foi o "The Saddest Music In The World" de Guy Maddin, num dos últimos dias de exibição no king.

gosto do que escreveste neste post - partilho do mesmo modo de sentir as coisas - e tão bem que sabe descer a Avenida depois de anoitecer, ainda com as palavras da Anna Karina no Vivre Sa Vie, ou de qualquer outro rosto desse mesmo universo - composto da mesma luz e movimento de que são feitos os sonhos.

foi bom descobrir o teu La Saraghina.

Anónimo disse...

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