domingo, abril 30, 2006

Le Mépris

I like gods. I like them very much. I know exactly how they feel - exactly.
Neste fabuloso filme de Godard, (mais) uma reflexão sobre o cinema, entramos no scope e nas cores quentes de verão e de Roma pela própria câmara que nos filma, sentados na sala de cinema. Nunca um filme tinha começado assim.
Um filme sobre cinema, para além de toda a sua História e das suas referências, espalhadas pelas panorâmicas ou por frases e citações, é sobretudo um filme sobre sentimentos. Os nossos, os do cinema, os que ele nos faz sentir - amor, ternura, angústia ou desprezo. O desprezo natural e quase vegetal de Camille pelo seu marido (que se vende à vida como conforto financeiro), que vive como imagem, desmontada pelos planos do seu "traseiro", das suas "coxas", das suas "pernas", dos seus "seios", e que respira numa tranquilidade de deusa, dona de gestos e olhares, mas que vive insegura na sua vontade e no seu caminho. Brigitte Bardot, BB, como as estátuas gregas divinas pela imagem, cor e som, que relembram as suas histórias, e as tornam de novo possíveis na longuíssima profundidade de campo de todo um mar, no silêncio perfeito que esse exige.
De novo, a vida e o cinema, que morre e que continua, ambos tragédia, ambos inevitáveis. Godard e os seus instrumentos, remete para nós, filmados sobre a sua perspectiva, a sobrevivência desse imaginário, sempre questionado e enriquecido, pela agitação de cortes sucessivos, ou pela naturalidade de uma sequência que brinca com o real.
BB é BB (e também Anna Karina), Lang é Lang e cinema, a Cinnecittà palco de sonhos, mas abandonado. Il faut revenir au cinéma de Griffith et de Chaplin, diz Paul, antes de se render à máxima da sala de projecção, onde morrem películas, deitadas ao chão pelo produtor - "il cinema è un'arte senza futuro".
Mas o que sobrevive continua a ser o que fica por mostrar, depois do silêncio, depois da morte, depois do desprezo, o que fica por filmar, onde o espectador ficará por entrar (se é que não se entrou já, irremediavelmente para sempre). No mundo que, como Godard repete pela frase de Bazin, satisfaz todos os nossos desejos.

1 comentário:

Hugo disse...

Começamos com um travelling e acabamos com um travelling. Provavelmente, foi isto que Godard nos deu: um genial Travelling de reflexão sobre o cinema. E tanto vimos embalados pela soberba banda sonora de Georges Delerue.

Da mesma forma que Paul diz a Camille "je t'aime totalement, tendrement, tragiquement", também o dirá Godard sobre o Cinema...

E, no fim, um filme a começar (Será mesmo?) espelhado pela vertigem azul do Mediterrâneo. A mesma que aplacou a angústia de Paul e a sede de fazer de Lang. Em suma, vimos a Verdade e o Cinema.

Grande texto :)