terça-feira, junho 21, 2005

A Morte do Cinema

Entre todas as personagens de Sunset Boulevard, custa perceber quem são as reais e as fictícias - Norma Desmond ou Gloria Swanson, Max von Mayerling ou Eric von Stroheim (realizador de Swanson em Queen Kelly, filme projectado dentro do primeiro), Cecil B. De Mille como actor ou como realizador (também de Gloria, em diversos filmes), os estúdios Paramount como cenário ou local de "trabalho", ou outros "símbolos" do cinema mudo, entre os quais Buster Keaton.
De todas elas, parece ser Gloria Swanson, na sua "loucura", a que percebe e a que vive mais o cinema, o do "coração", como ela diz ao seu argumentista, aquele "dos rostos", e não "o das palavras". A sua luta não se resume a uma questão de glória (como no nome) pessoal, mas sim de eterno amor a uma arte - o cinema, o mudo, no seu estado mais puro. Aquele pelo qual um rosto valia duas páginas de diálogos e de confissões emocionais, aquele em que a história não era aquela "que não chegava" para fazer um filme, mas que nos mostrava ele próprio outra, a que se dirige a nós, "as pessoas do escuro", às quais Norma/Gloria dedica o último fabuloso plano do filme, ao se aproximar de nós, no seu último close-up.
E neste filme, a confusão de imaginários é tal, que partimos de uma narração de um morto, de realizações reais (Wilder), semi-reais (DeMille, e o filme que realizava realmente na altura, no seu próprio estúdio), esquecidas e relembradas (von Stroheim), para luzes que iluminam personagens e pessoas, uma avenida real como local de um "crime" fictício (filmado de forma soberba), ou a projecção de um outro filme realizado e exibido dentro do todo que comporta este.
"I didn't know you were planning a comeback". "I hate that word! It's a return..." - tal frase transpira verdade cinéfila, concretizada pela imagem mais viva deste filme, um filme de morte, na confusão de projecções que se reúne magistralmente no rosto de Norma/Gloria (a que surge dentro do próprio filme, e a que passa o filme que vemos dentro na sala).
E da "morte" do mudo, ou do seu embalsamar, tal como o chimpanzé de Norma, enterrado por von Mayerling/von Stroheim (este último também vítima dos estúdios), resta-nos a memória que nunca se apaga, que parece renascer por cada foco de luz, tanto da piscina onde cai o corpo (de uma forma curiosamente arrastada), como das câmaras que filmam cada papel. "Let's have another close-up".

Sem comentários: