domingo, novembro 20, 2005

Lawrence of Arabia

Quem esteve no deserto, sabe que é um sítio perigoso. Não por escorpiões, areias movediças, tempestades, ou ladrões nómadas. T.E. Lawrence nunca tinha estado nele, mas já o sabia, antes de todos. Porque é o sítio da perda. Não da de sentido e orientação - a perda pessoal, a que sentimos que nos atormenta em alguns momentos, pronta para nos tomar conta e derrubar aquilo que somos, ou pensavamos que eramos. A perda onde um se se perde, por si próprio. Onde se perdem as imagens fabulosas de Lawrence of Arabia.
Por isso é que ninguém fica no deserto. Uma vez que se caminha, não se volta atrás, anda-se sempre em frente. Mas Lawrence desafia o que está escrito, blasfema contra o (seu) destino, e muda-se a si mesmo. Torna-se em "Al Orence", mais que um deles, um que parece mostrar o caminho a todas as tribos "árabes", mas sem identidade.
E a identidade deste, após quase quatro horas de fita, no que fica? Um english tradicional, que quer voltar à sua cottage, e praticar pesca no sossego tradicional britânico, um berbére de roupas brancas, destinado a perder-se para sempre no (seu) deserto, um homem "diferente", a lidar para sempre com o choque da violação de tudo o que pensa ser?
O próprio filme, iniciando-se e terminando com uma peça musical e um ecrã preto por alguns minutos, acaba por representar, no fundo, o mesmo que uma das maiores miragens do cinema - a aparição de Sherif Ali (Omar Sharif), tão real como ilusória. Mas como se concluí, "uma ilusão pode ter muito poder".
E assim Lawrence, outra vez como tal, termina - no ínicio do filme - como outra miragem. Ninguém, na verdade, é capaz de descrevê-lo para quem quer transmitir a verdade. E para quem se indigna perante tamanha blasfémia, refuta-se com argumento físico do aperto de mão, tal dia em Damasco. Será mesmo? É ainda a personagem principal que, nesse mesmo dia, apenas responde para o mesmo indivíduo - "haven't we met before?". Na realidade, encontraram-se anos mais tarde, nesse seu funeral, através do espectador, muitas sequências antes.
Miragem, deserto, mistério, medo. Por uma vez, eis que o cinema não existe para que nos possamos encontrar - existe para que nos possamos perder.

4 comentários:

Anónimo disse...

apesar do atraso com que chego ao deserto, não resisto a acrescentar dois ou tres comentários ao texto do autor.
lawrence é o filme mais politico de david lean. ou tornou-se tal, malgré lui e as grandes empresas produtoras, pois `a data da realização do filme nada faria prever que assim fosse.
mas hoje é-o, por causa do contexto politico do médio oriente e porque a cuidada realização de d.lean colocou no filme ´fielmente, todos os ingredientes do que constitui hoje, em boa parte a raiz do problema.
o desabar do império otomano,o vazio politico deixado, as ambições e apetites das potências coloniais-na altura ainda na ignorancia do petróleo- o retalhar artificial de fronteiras inexistentes, o tribalismo e a visão primitiva das "nações"árabes, as utopias de lawrence, preso entre dois mundos,todos os ingredientes lá estão.
e são valorizados com soberbas interpretações.peter o' toole esgotou-se neste filme. alec guiness condensa exemplarmente a sabedoria politica daquele que viria a ser o fundador da dinastia saudita e que sabia estar a ser usado pelas potencias ocidentais.anthony quinn representa exemplarmente todo o primitivismo tribal que ainda hoje está presente em muio dos comportamentos actuais.
por último uma pequena nota de rodapé só para lembrar que este grande realizadr foi quem também dirigiu, antes de se dedicaràs grandes produções, uma pequena obra prima que, sem hesitar integraria no meu top ten filmgráfico:brief encounter.
a terminar só realçar a boa escolha da imagem inicial da primeira viagem de el aurens ao desrto, em que a certa altura embriagado pela dimensão do que o rodeava-e do seu sonho- não hesita em cantar, devolvendo-lhe o deserto o eco da sua própria voz. das mais bela s imagens do filme. e premonitórias.

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