quinta-feira, dezembro 15, 2005

Cenas da Vida

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Cenas da Vida Conjugal de Ingmar Bergman não é cinema, não é televisão, não é teatro, não é fotografia. No entanto, recolhe cada um desses elementos na sua essência. Apesar de ter sido feito para a televisão, estando expressamente dividido em seis diferentes episódios, a sua passagem pelas salas de cinema, assim como Saraband, é inevitável. Para além do nome do seu autor, estão diversos planos totalmente pertencentes ao seu universo e dotados do seu toque único - em cada grande plano de Bergman, para além de um rosto ou de um filme, está o rosto, ou o filme, ou as suas ideias. Em alguns momentos, sentimos o talento de dramaturgo do realizador, o seu lado de criador de um teatro, já vindo de tempos anteriores ao seu cinema.
O que é filmado, assim, é um objecto único de vida. Tudo o que passa pelos nossos olhos são episódios reais de uma vida conjunta de duas pessoas, dois indivíduos que percorrem largos anos envoltos de amor, em todos os sentidos da sua palavra, desde ao mais suave e doce, ao mais agressivo e obsessivo. Ficções como casamento(s), affaires, uniões de facto não servem para definir toda uma vivência, toda uma paixão de viver, as suas consequências, atribulações, separações, ou confissões. Bergman ultrapassa toda a arte e rende-nos às condições reais e cruas da vida, tanto em amor na vida conjunta, na solidão acompanhada, ou no isolamento cruel, egoísta, mas necessário.
O próprio tempo, temática bergmaniana essencial, não se ouve como noutros filmes, apenas não funciona, tal como o despertador que faz acordar o casal certas manhãs, ou é insuficiente para quebrar a vida. É ela que se quebra por si própria, e Marianne (Liv Ullman) quem acorda sempre Johan (Erland Josephson), num toque suave de dedos em cima do seu peito.
Falei ainda de fotografia. Essas são as que estão em casa de cada casal, retratos de momentos da vida, também ficções. Por detrás de cada uma estão as suas cenas da vida conjugal, as suas cenas da vida, o real, o inegável, o inevitável, o que marca cada instante de cada ser, envolto numa união.
Assim parece surgir esse cinema, não como espelho imaginário da vida, ou movimento ilusório de imagens, perfeito na sua ideia, mas como uma passagem por tudo o que de superior nos oferece o seu ideal, para finalmente nos oferecer a vida como ela é. Imprevisível, desajeitada, conflituosa, tanto desconforto como conforto, neurose e humor. E daqui surge toda a inspiração para cineastas como Woody Allen, nos seus movimentos de câmara pausados e marcados, e numa ou outra punchline mais cómica ("uma orquestra de cem mulheres com o período a tentar tocar Rossini" - cito Bergman).
Cenas da Vida Conjugal de Ingmar Bergman não é cinema, não é televisão, não é teatro, não é fotografia. É a vida.