
Volver, voltar sempre ao que está na base da nossa sobrevivência, o que condiciona e dita os nossos actos, as nossas obsessões, os nossos fantasmas - o nosso cinema. Quem ainda vive e quem já morreu, unidos pela memória e pela imagem, sempre no luto, na homenagem, no passado que percorremos, no presente onde lutamos. Almodóvar, como os grandes cineastas, faz um clássico sobre suspensão, elipse, adiamento, do que está sempre presente e percorre cada fotograma. As suas citações confundem-se entre cinema e vida, o que viveu e o que sonhou viver já não se distingue, está tudo na mesma linha, junta-se tudo na mesma imagem, numa sensibilidade que alterna constantemente entre a comédia e o melodrama, o cinema e a pintura, a câmara e um pincel. São fantasmas que nunca o foram, que são cinema e vida, corpo e espírito, sempre por um momento em que se chega ao confronto de tudo o que não foi encarado e se abre definitivamente, para resolver os nossos complexos e limpar os nossos traumas. O cinema apresentado como sempre é para nós no dia-a-dia, transposto magicamente na ilusão das imagens. Com cineastas como Almodóvar, o cinema nunca morrerá. Um cinema da nossa vida, mas também de cinefilia (Penelope/Magnani, Almodóvar/Visconti), de uma cultura (Espanha/Itália), de um modo de vida (do culto da morte, presente como a vida). Um cinema de rostos profundíssimos, de antecipação (da doença antes da doença - Agustina), de cores e cenários, de uma sensibilidade clássica. E Almodóvar é o mais sensível de todos os cineastas. Almodóvar é cinema.