quinta-feira, junho 15, 2006

Volver


Volver, voltar sempre ao que está na base da nossa sobrevivência, o que condiciona e dita os nossos actos, as nossas obsessões, os nossos fantasmas - o nosso cinema. Quem ainda vive e quem já morreu, unidos pela memória e pela imagem, sempre no luto, na homenagem, no passado que percorremos, no presente onde lutamos. Almodóvar, como os grandes cineastas, faz um clássico sobre suspensão, elipse, adiamento, do que está sempre presente e percorre cada fotograma. As suas citações confundem-se entre cinema e vida, o que viveu e o que sonhou viver já não se distingue, está tudo na mesma linha, junta-se tudo na mesma imagem, numa sensibilidade que alterna constantemente entre a comédia e o melodrama, o cinema e a pintura, a câmara e um pincel. São fantasmas que nunca o foram, que são cinema e vida, corpo e espírito, sempre por um momento em que se chega ao confronto de tudo o que não foi encarado e se abre definitivamente, para resolver os nossos complexos e limpar os nossos traumas. O cinema apresentado como sempre é para nós no dia-a-dia, transposto magicamente na ilusão das imagens. Com cineastas como Almodóvar, o cinema nunca morrerá. Um cinema da nossa vida, mas também de cinefilia (Penelope/Magnani, Almodóvar/Visconti), de uma cultura (Espanha/Itália), de um modo de vida (do culto da morte, presente como a vida). Um cinema de rostos profundíssimos, de antecipação (da doença antes da doença - Agustina), de cores e cenários, de uma sensibilidade clássica. E Almodóvar é o mais sensível de todos os cineastas. Almodóvar é cinema.

1 comentário:

Anónimo disse...

Volver é o filme sobre as sensações da Espanha. Os legumes que corta Penelope Cruz quando cozinha são os representantes diplomáticos da cozinha ibérica, legumes do sol, cor amarela, vermelha, verde : cores que correspondem perfeitamente ao ambiente geral do filme, com o calor da Espanha que se revela nas saias bem curtinhas da Penelope.

Estas sensações visuais misturam-se com sons conhecidos ( o tango Volver, característico do mundo hispanófono, apesar de parecer estranho que Almodôvar tenha escolhido esta canção argentina para um momento chave... como em « Habla con ella » onde preferiu uma canção mexicana num filme de toureiros). O abanar dos leques procura ar ao espectador tranquilo na sua sala parisiense e o vento à beira do rio entristece-o. Temos calor e temos frio...não esquecemos o refrigerador do restaurante...

Não é um filme realista, seguramente, mas nunca quis sê-lo. Os espanhóis acham-no terrivelmente estereotipado mas é precisamente disso que gostamos. Para uma francesa que tem saudade de Espanha é um filme delicioso.