terça-feira, julho 05, 2005

Chaplin e o Mundo

A Quimera do Ouro será sempre, para mim, um filme dramático. Uma obra enriquecida por momentos de gags hilariantes, mas sempre ternurentos - Chaplin a brincar com o pão e a fazer o seu número mágico, a luta pela vida contra o canibalismo do seu companheiro de cabana, uma casa a voar no meio de uma tempestade, mas que não acorda a personagem de um sono profundo, ou uma dança com um par de calças velho e roto a cair constantemente (e depois seguradas por um cão que persegue um gato) com o par com que sonhava, o da fotografia que guardava debaixo da sua almofada (certamente para outras tempestades e mágoas).
Porque os momentos mais marcantes desta obra serão sempre o de Chaplin e a sua solidão - os seus modestos aposentos a cumprir a promessa de um lar impecavelmente arranjado para uma passagem de ano prometida, não cumprida, mas sempre perdoada, os presentes e boa-fé para todos, a sua explosão total de alegria, que acaba por anular o efeito de destruição que esse provoca, ou finalmente, um corpo que entreabre uma porta para ouvir o som longínquo da convivência e da comunhão entre pessoas e camaradas, um rosto que se encosta a uma janela gelada para receber o calor da vida, num dos momentos mais belos e eternos de sempre.
A sua obra-prima está na sua sinceridade, uma humanidade talvez pessimista, talvez cómica, mas inerente a qualquer um. Uma solidão de um indivíduo perante um mundo que o trama (os efeitos da força da natureza, que parece varrer tudo o que é paisagem - esta acaba por ser as próprias pessoas), que nunca mudará, nem por muitas outras minas. Assim também fica Chaplin, para sempre o mesmo, na sua quimera - o seu cinema, por fim concretizado e realizado.

1 comentário:

Anónimo disse...

esta obra de chaplin trouxe-ma à lembrança um diálogo aceso que há entre dois jovens protagonistas do último filme de bertolucci-os sonhadores- em que ambos, em campos diferentes e esgrimindo cada qual os seu argumentos, defefedem a superioridade do cinema , ora de chaplin, ora de buster keaton.
a questão é evidentemente insoluvel perante a genialidade de ambos os autores. mas em defesa de chaplin , há um argumento forte:a cena de "luzes da cidade" em que a florista, que agora recuperara a vista, reconhece pelo tacto charlot, o seu benfeitor.não ha uma palavra, tudo se passa apenas com a expresssão visual dos dois actores,com o contraste do preto e branco.o cinema é só imagem , está entregue a si proprio, vale por si, sem nenhum outro suporte, na sua forma mais pura.
é chaplin em todo o seu esplendor, longe do cinema falado, como "um rei em n.y."em que a palavra só vem acentuar a sua decad~encia.