sexta-feira, julho 22, 2005

En Passion

En Passion de Bergman não é só (sobre) paixão - é sofrimento, angústia, mentira, neurose, trauma e sentimento, ou seja, tudo o que é humano. É um homem perdido na(s) sua(s) identidade(s), na angústia da sua condição e da de todos os outros, num mundo sem verdade ou propósito, o nosso, o de cada um destas personagens, aleanadas da verdade, num duplo jogo identitário de representação - os seus actores assim vão interrompendo a narrativa por confissões reais, ou não tanto, interrogados pelo próprio realizador.
O trauma de Bergman, fisicamente presente por assassínios arbitrários dos animais da ilha, pelo coxear de Anna, ou pelas explosões violentas de Andreas sobre esta (e quem mais?), é toda uma constante presente entre personagens, entre diálogos, e entre cenas, no que não se vê. Talvez aí se esconda a verdade desse filme, que parece constantemente escapar ao nosso alcance, e tanto angustiar Andreas. O seu sofrimento é o mais comum de todos, o da condição humana, sob o cinema de Bergman. Um mundo, ou uma ilha, onde se perde o sentido das coisas, onde este nunca existiu, onde se perde a vontade ou de viver (a marca sempre presente do suicídio, e a sua carga de inevitável culpa), ou a inerente à da própria arte e de criar (um artista cínico, que se recusa tanto enfrentar a sua realidade, como uma tal essência original do acto criativo, desprezando-o até).
E nos rostos de Bergman, une-se todo esse cinema, toda uma carga, neste filme, tanto de verdade como de mentira, numa expressão constante e sentida, no grande plano da vida. E quem nunca viu um filme de Bergman não sabe o que é um grande plano.
Assim é no fabuloso plano do rosto de Anna (Liv Ullman), durante cerca de cinco minutos, um dos momentos mais belos de Bergman e de todos os outros cineastas, ou aqueles que se apresentem como tal. Pois escrever Bergman, é escrever Cinema, e tudo o que isso comporta, na sua máxima carga. Mesmo sem resposta, pois o Homem não tem respostas para dar, perante um Mundo que pouco tem para nos oferecer sentido ou razão a tudo o que se sucede, a tudo que julgamos ser a nossa vida. Resta, a este cinéfilo, viver na sua paixão, por Bergman, pelo cinema, por este que é harmonioso no conflito, também solitário, também pacífico como intenso, sempre belo no que não tem que se explicar, mesmo se o Homem não o consegue alcançar. Resta-me reclamar En Passion como dos filmes mais marcantes para Ele, ser doente, como somos todos, passageiro entre salas, sonhos e cores (tal como as passagens sublimes deste filme), solitários mas sinceros. Como Bergman sempre se mostrou.

Sem comentários: