quinta-feira, outubro 20, 2005

Shane e o Western

Dizer qual é o melhor western de sempre é o mesmo que perguntar a várias pessoas qual é a sua cor preferida. Cada um tem os seus tons, e cada um lhes faz lembrar qualquer coisa, da mais banal à mais complexa. Há westerns-comédias, ou quase (os enredos sempre magníficos de Hawks), westerns de luta e de passado (de cada personagem de Ford), westerns-drama (High Noon e o seu tempo real), ou westerns apaixonados, como Johnny Guitar de Nicholas Ray. Esquecendo a cor preferida, este cinéfilo tenderia para escolher, provavelmente, The Searchers do mestre John Ford como o seu, obra-prima absoluta do cinema.
Percebe-se a razão pela qual o western sempre foi um género de eleição e de perfeição no cinema - nele cabe tudo, dele e das suas paisagens parte-se para tudo. No entanto, existe ainda outro. Pode-se não discutir qual deles todos será o melhor, mas será apenas justo considerar um desses mesmos como a quintessência do western - e esse filme chama-se Shane.
A obra de George Stevens possui tudo o que se pede ao género, das melhores maneiras: simplicidade, emoção, rivalidades, paixão. E, já agora, bons movimentos de câmara. Os seus actores eram quase todos desconhecidos do grande público, excepto Jean Arthur, actriz-símbolo de Frank Capra, aparecendo aqui no seu último papel. Alan Ladd, o seu actor principal, foi estrela de série-B da época noir, tendo após este filme surgido como novo herói western-B. O seu cenário é simples, mas estrondoso - são muito poucos os espaços pequenos que permitam fechar toda a história. As suas próprias lutas, tecnicamente preciosas, quando fechadas entre paredes, tendem a explodir para fora. Shane é, também ele, a quintessência do bom-cowboy - fala pouco (só quando deve), só precisa de uma arma, esconde um passado (que nunca revela) à procura de estabilidade e de acolhimento, apaixona-se por uma mulher bonita que o ama, mas sacrifica-se pela família dela e pelo seu isolamento. Assim parte, de novo, rumo à paisagem, sozinho, como tinha feito à chegada. Jack Pallance, a fazer de vilão, de chapéu preto, de luva preta, e com um rosto inconfundível, é, arrisco-me a dizer, o mais perfeito fora-da-lei. Fala com as duas pistolas, e mata com o olhar.
O que está em causa em Shane é, portanto, tudo o que se colocou no género, e não só - a eterna luta, a comunidade, a amizade, o amor, a morte, e o passado. Sempre, o passado, como que relembrado por cada um dos momentos do essencial tema musical. Assim se vive no western, género solitário, mas género por essência, e por inspiração. Caminhando solitariamente no (seu) cinema, espelho da vida.

2 comentários:

Anónimo disse...

que dizer qdo se está perante um clássico, perante uma obra-prima? a única coisa que resta é deixarmo-nos invadir pela sensação estética que nos provoca, porque o resto está tudo dito e expresso pela própria obra. seja ela no cinema, na literatura , ou em qqur outra forma de arte, em qquer época, agora ou no século de péricles, seja a propósito do shane ou dos frisos do partenon do escultor fidias.
em shane está tudo o que é necessário para conseguir a essência do bom cinema e do bom western: uma boa história, bons planos e bons enquadramentos, interpretações sóbrias, boa gestão da tensão dramática do enredo.
mas shane ,em certa medida esgotou um género. depois de shane tornou-se mais dificil repetir a receita.mas isso é o próprio das obras clássicas.
concordo inteiramente com os comentários do autor do blog -que de tão completos também nos retiram margem de manobra para acrescentar algo-mas gostaria só de lembrar duas outras obras que merecem a mesma classificação:forte apache e o sargento negro, ambas de john ford.
qto a the searchers, estamos conversados, pois vão para ela também os meus votos de eleição.

o terceiro homem disse...

Gosto muito do 'Shane'. E este blog também é muito interessante, porque viaja no tempo.